quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Pirataria versus liberdade de expressão

8 de outubro de 2010 - O contrabando e a falsificação estão entre os principais problemas do mundo moderno. Esse “setor” movimenta US$ 250 bilhões globalmente por ano – quase 10% disso só no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação, as perdas para o País em impostos não arrecadados e prejuízos para as empresas chegam a US$ 20 bilhões/ano.



O Brasil é, portanto, um dos países mais interessados no combate à pirataria. E tem avançado nesse sentido, apesar da corrupção disseminada e dos inúmeros pontos de vendas de produtos falsificados espalhados pelo território nacional. O governo brasileiro, no entanto, tem razão de ver com receio a nova iniciativa dos países ricos nessa área. - Estadão.com.br


Na última quarta-feira, os países desenvolvidos, liderados por Estados Unidos e União Europeia, finalmente divulgaram o texto de um acordo antipirataria negociado em segredo faz três anos. A iniciativa envolve 40 países, mas apenas duas nações em desenvolvimento: México e Marrocos (os dois tem acordo de livre comércio com os EUA).



Hoje praticamente todos os países têm leis que promovem e protegem a propriedade intelectual. A questão agora é cumprir essas leis. É nisso que o acordo quer avançar. Ninguém contesta que a motivação é nobre, mas os mecanismos são muito polêmicos. Por exemplo: pelo acordo, o detentor de uma patente ou de uma marca poderá exigir que um produto que está no porto (para entrar no país ou só de passagem) seja apreendido e até destruído sem sequer consultar o Judiciário.



O Brasil viveu esse problema recentemente. Remédios genéricos indianos que viriam ao País foram apreendidos quando passavam por portos europeus. Pelo texto divulgado ontem, o acordo exclui os remédios genéricos, que não teriam problemas nos portos. Mas qual é realmente a diferença entre um remédio genérico e um falsificado? O espaço para polêmica e confusão é imenso.



Faz tempo que os EUA batalham por leis mais rígidas de propriedade intelectual para atender lobbies poderosos que atuam por lá. Desde os anos 70, na Rodada Tóquio (depois teve a Rodada Uruguai e só então a Rodada Doha), os americanos tentam incluir o tema no sistema multilateral de comércio. Como até agora não tiveram sucesso, decidiram negociar o acordo só entre os ricos.



“Quando o grupo for suficiente representativo, os países desenvolvidos, provavelmente, tentarão forçá-lo aos emergentes”, disse Diego Bonono, diretor-executivo da Coalizão de Indústrias Brasileiras em Washington, ao blog. Em matéria publicada pelo colega Assis Moreira, correspondente do jornal Valor Econômico em Genebra, o embaixador do Brasil junto à Organização Mundial de Comércio (OMC), Roberto Azevedo, define o acordo antipirataria como “sem legitimidade e desequilibrado”.



Impor esse acordo aos países em desenvolvimento seria uma tremenda injustiça. O tratado existente de proteção à propriedade intelectual, selado na Rodada Uruguai, já foi difícil de engolir. Na época, os países pobres aceitaram essas regras e a liberação da área de serviços por concessões mínimas na agricultura. Criada com a função de corrigir essa injustiça e abrir os mercados agrícolas, a Rodada Doha está totalmente paralisada.



Felizmente as reações ao acordo global antipirataria começaram e vêm, inclusive, de dentro dos países-membros. Grupos da sociedade civil nos EUA e na UE temem que o acordo limite a liberdade de expressão. A matéria do Valor relata que a organização Médico Sem Fronteiras organizou uma manifestação com o mote ”tirem a mão dos nossos remédios”. Segundo Bonomo, “não é exagero afirmar que, caso os EUA ratifiquem o acordo, o documento pode ser contestado na justiça federal dos EUA”. Ainda bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário